quinta-feira, 17 de julho de 2008



Brasileiras estão entre as mulheres com mais baixa auto-estima

É comprovado: vaidade em excesso faz mal à saúde
Para nós, "reles mortais", fica difícil olhar para Gisele Bündchen e companhia e não desejar ter um corpo daqueles, o cabelo sensacional, pele maravilhosa, enfim um conjunto que atrai olhares e no qual as roupas caem como luvas. Esse modelo de beleza transmitido pelas beldades por intermédio dos meios de comunicação é criticado pela psicóloga Rachel Moreno no livro: A Beleza Impossível, recém-lançado pela editora Ágora. Ela afirma que a sociedade atual atingiu o ápice desta obsessão, estendendo-a para todas as classes e gêneros.
"Há muitas coisas que nos realizam na vida e que são muito mais importantes do que um nariz arrebitado ou uma roupa de grife. O que fazemos bem, nossa ação na família, no mundo, na transformação da realidade para torná-la mais harmoniosa e inclusiva." Rachel Moreno, escritora.
A autora observa que as mulheres que não se encaixam no padrão vigente - ou seja, a maioria -, sentem-se excluídas e até humilhadas e tendem a fazer qualquer sacrifício em nome da beleza. Somente em 2003, as brasileiras gastaram R$ 17 bilhões na compra de produtos cosméticos e de perfumaria. O Brasil apresenta o maior índice de mulheres que declaram ter feito
cirurgia plástica. Outros estudos revelam que a população feminina no país, comparativamente, é a que mais se submete a sacrifícios pela aparência. Isto inclui dietas, malhação, remédios e cosméticos. Tudo o que for possível para tentar atingir a beleza sonhada.
Quais são as conseqüências dessa obsessão para as adolescentes de hoje? E como ficam as "diferentes" - gordinhas, baixinhas, mais velhas, negras? Rachel adverte que o excesso de vaidade pode se tornar um problema de saúde pública. Ansiedade e baixa auto-estima são os primeiros efeitos colaterais. Essa perseguição inacabável também desencadeia doenças como bulimia e anorexia.
A obsessão pela beleza é recente? De onde e de quando vem essa vaidade além da conta?
Tornar-se atraente faz parte do repertório de jogos de qualquer espécie animal - e não fugimos à regra. Creio que, desde a folha de parreira de Eva, passando pelas folhas de limoeiro esfregadas pelas índias nos pulsos para exaurir o seu aroma, tudo isso serve para se tornar mais atraente aos olhos do outro. Mas essa vontade de atrair a quem nos interessa é muito diferente da imposição de modelos que nos foram colocados ao longo da história, à custa de artifícios e produtos. E esta imposição atinge o seu auge agora, na sociedade que estende este padrão de beleza a todas as classes sociais, ampliando o seu alcance ao interior das mulheres, pois a beleza passa a refletir o estado da alma. Além disso, estimula-se o consumo de um mundo de parafernálias, produtos, cirurgias, que prometem colocar este ideal de beleza ao alcance de qualquer uma, até mesmo em suaves prestações mensais. E, se você se vê cercada de modelos de beleza por todos os lados, em outdoors, revistas, jornais, programas de televisão, propaganda, você se compara inconscientemente com aqueles modelos, passa a querer se parecer com eles e sofrer se não o conseguir.
Pesquisas apontam que as brasileiras estão entre as mulheres com mais baixa auto-estima e ao mesmo tempo estão entre as que mais se submetem a cirurgias estéticas.
Se eu gosto de mim, não preciso ficar melhor, pois já estou bem. Não preciso cortar na carne, sofrer com dietas, malhar de forma insana, mandar extrair qualquer milímetro de gordura a mais, fazer tratamento contra a celulite, eliminar as rugas, tingir os cabelos e torturá-los até que fiquem lisos e esvoaçantes, sem o qual não me sinto bem. Se eu gosto de mim, saberão apreciar as minhas qualidades e defeitinhos que me personalizam, justamente as pessoas capazes de apreciar o que tenho de melhor. E, afinal, o que é "melhorar"? É ficar mais próxima de um padrão externo a mim, imposto de forma sutilmente autoritária, como único que vale a pena.
No caso das brasileiras, qual é o ideal de beleza? As próprias modelos brasileiras como Gisele Bündchen? O modelo das brasileiras tende a ser eurocêntrico. O ideal de beleza é jovem, magra, branca, loira e de seios fartos. Gisele Bündchen se enquadra perfeitamente. O que cria esse modelo ideal? Mídia, indústria da moda, de cosméticos? Tudo isso ao mesmo tempo. Acrescente-se ainda a cirurgia plástica, silicone, lipoaspiração, operação plástica, tratamento de celulite, spas, personal trainers, academias, dietas milagrosas, a indústria dos alimentos dietéticos... Sustentamos uma indústria milionária que nos engana, explora e faz sofrer. Porque são poucas, pouquíssimas as que podem se parecer com Gisele Bündchen. E a nossa riqueza consiste justamente na diversidade, pluralidade de tipos, feições, combinações e jeitos de ser.
Mesmo sabendo que as tops não são mulheres "reais" por que todas caem nessa idéia de querer chegar perto desse modelo de beleza?
Porque por trás disso, há uma indústria enorme e diversificada que trabalha com todas as armas do marketing e do acesso à mídia, que amplifica e nos vende os seus desejos e vontades, de forma poderosa e ao mesmo tempo que sutil. Que pode pagar por isso, mesmo porque isto lhe garante um retorno financeiro invejável. A indústria de cosméticos está entre as que mais cresceram nos últimos tempos.
E os homens? Eles não procuram mulheres com corpos perfeitos? Se e quando isto ocorre, - numa fase meio infantil pela qual todos os seres humanos passam e que por vezes se prolonga -, é porque eles acabam tão atacados pelos modelos que a mídia lhes vende quanto nós. E tende a ocorrer na fase em que eles precisam provar a sua masculinidade, exibindo uma mulher bonita como conquista. Mas quando amadurecem, são tão capazes quanto nós de se encantar com o mero brilho de um olhar, com o detalhe de uma expressão, com a inteligência, carinho, personalidade de mulheres que são únicas e não barbies produzidas em série.
Afinal, a mulher quer ficar bonita para quem?
É natural que queira atrair a atenção do sexo oposto, mas há várias formas de fazê-lo. As mulheres tendem a dizer que querem ficar bonitas para si, quando não para as outras. Agora, se levarmos a sério o "ficar bonita para si mesma", quando é mesmo que a gente se sente melhor e mais segura? Quando conquista um objetivo almejado, quando faz algo bem feito, quando está de bem consigo mesma e com a vida. Aí, sim, a beleza jorra de dentro de nós, através dos rostos e corpos dos mais diversos tipos, formatos e harmonias.
Numa beleza absolutamente personalizada, numa silhueta que pode ser mais magra ou mais gorda, mais jovem ou mais madura, de qualquer raça ou etnia, e que traduz alguém que só você pode ser. Você afirma que essa vaidade traz problemas de saúde. De que forma? Temos tido casos de bulimia, de anorexia. Algumas modelos morreram disso. Algumas mulheres morreram fazendo lipoaspiração. Há mulheres que praticamente não comem e que precisam de tratamento médico para se reequilibrar.
Obesidade é outro problema que decorre do estilo de vida sedentário que levamos. Baixa auto-estima é um sofrimento psicológico incompatível com um bom equilíbrio. Se nosso governo decidir contabilizar as despesas resultantes na rede de saúde pública, poderemos ter um indicador do quanto isso custa aos cofres públicos. E como se livrar dessa obsessão? Se aceitando como você é, tirando partido e valorizando o que mais a diferencia, inventando o seu próprio modelo de beleza e, sobretudo, de bem-estar. Há muitas coisas que nos realizam na vida e que são muito mais importantes do que um nariz arrebitado ou uma roupa de grife.
O que fazemos bem, nossa ação na família, no mundo, na transformação da realidade para torná-la mais harmoniosa e inclusiva. Lembrar que valemos muito mais pelas coisas que fazemos, pela nossa ação cidadã, do que pela mera aparência, ou pelas grifes que poderíamos ostentar e que nos roubam a personalidade, substituindo-a por uma etiqueta.
Serviço: A Beleza Impossível - Mulher, Mídia e Consumo, de Rachel Moreno. Editora Ágora.
Bianca Bortolini Florsz é psicóloga especialista em saúde mental, psicopatologia e psicanálise pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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